"Ih, agora me lembrei que viajei, sim, no tal jatinho! É que eu estava ansioso, desculpem-me!"

"Ih, agora me lembrei que viajei, sim, no tal jatinho! É que eu estava ansioso, desculpem-me!"

Ih, Orlandim vortô a ter memória de novo, é? Óia aí, minino, um conseio de preto véio: cala a boca, disgraçado. Suncê tá mais na bosta que papel higiênico usado, né não? Óia qui eu tô quetim aqui nas Minas Gerais, nos fundo duma fazendinha donde o dono me dá um pedacim de terra pru mode eu esperar quetim pela morte e  vem gente me aporrinhar a paciência querendo sabê o qui penso de vassuncê. Num digo pra não piorá sua situação, Orlandim, pois suncê tá mais pra coxo cego querendo correr a maratona do que pra outra coisa. Óia, home, um cabra, quando se mete numa enrascada, fica de pé e não dá bobeira. Quem anda pra frente e pra trás dizem que é caranguejo, mas nunca vi isso naquela coisa quaje redonda e cheín de pernas. Na verdade, o bicho anda de lado. Véio aquerdita qui suncê devia fazê qui nem ele: sair de lado, pelas isquerda qui é o camim mais adequado pra mentiroso enrolado, né não?

Entregue logo a tar pasta e dê o fora daí. Vorte pra Casa Grande, onde o povão burrão lhe botô, home. Afinar, vosmicê já tá gordim de rico, né mermo? Tá tão bochechudo qui deve inté duer da força qui tem de fazê pra abrir a boca. Qui suncê já abriu o bico de cansaço, o mundo todo já sabe. Aliás, Orlandim, suncê devia fazê uns exercíçus… Qui tar vir cortar cana na fazenda? Cansa, sim, véio sabe disto, mas é munto bom exercíçu pra emagrecê. Até pruque a cumida de marmita num tem munta coisa qui faça ingordar, nhor não. Vem exprimentá, Orlandim. Eu agaranto qui, pelo menos, suncê num vai empacotar pru causa do coração intupido de gurdura podre. E tem mais: suncê se livra dessa enrascada em que a Ganância lhe meteu, né não? Ou será que foi o partido onde suncê milita? Pois Ministru, nu Brasil, tem de encontrá meio de engordar a burra de seus partidos, senão fica a descoberto, né não? O tar de PDT já está sartando de banda pra escapá da merdaça qui suncê tá aprontando toda vez qui abre o bico…

Óia eu aqui, Orlandim.

Óia eu aqui, Orlandim.

Óia, Orlandim, véio vai lhe contá uma história. Pensa nela. É uma história véia, do tempo em que a Vó Cambinda ainda era jovem e vevia aqui, junto cá gente. Dizem que nos tempos dos reis, um home linguarudo ía por uma istrada de terra com um sor quente de azucrinar os miolos. Entonce, ele arresolveu se abancá bem debaixo de um pé de jacarandá. Táva caje drumindo, quando um gemido feiz que desse um pulão daqueles, todo assustado. Ele oiou pra todo lado e num viu ninguém. Ficou acordado um tempo e terminô por achá qui tinha sido imaginação ou sonho. Mas quando tava caje drumindo de novo, lá veio o tar gemido de dor. Ele se levantô e cumeçô a percurar de onde vinha aquilo. E descobriu, caje enterrada na areia, uma caveira. Curioso, ele desinterrou a caveira e ficou com o crânio seco da coisa rodando ele nas mão e preguntando: “Quem será qui matô o sujeitim aqui? e pru quê?” Entonce, teve a mardita idéia de perguntá em voz arta: “Caveira, quem te matô?” É craro qui ele num esperava qui aquilo respondesse, mas tomou um baita susto quando a caveira lhe arrespondeu: ‘Foi a língua”. O home jogou o crânio seco pra bem longe e saiu correndo de medo. E foi assim que chegou na cidade de um rei de maus bofes. E lá na taberna ele deu com a língua nos dentes, contando o que lhe tinha acuntecido. Entonce, sua históra chegou às ouças do tar rei aperriado. E ele mandô buscá o home e lhe preguntô se era verdade qui tinha encontrado uma caveira falante. O home não só assegurô que sim, cuma contou tim-tim-por-tim-tim tudo o que tinha assucedido cum ele. Então o rei lhe disse: “Home, tu tá arreliando meu povo e eu sou um rei qui num gosta disto. Vou mandá buscá a tar caveira falante pra ela falar aqui, diante de toda a corte. Mas se ela num falá, mando cortar tua cabeça aqui mermo”. Certo de que tudo ia dar certo, porque ele tinha ouvido a caveira falar, o home concordou com o rei. Este, mandô buscá a caveira e reuniu a corte toda pra ouvi ela falar. O home, todo cheio de si, chegou bem perto do caixão onde tava a caveira inteirinha, e disse: “Vamo, caveira, responde: quem te matou?” Silêncio. O home repetiu a pregunta e nada. E novamente ele preguntou e novamente a danada se mantinha mortinha da silva. Aí o home começou a suar frio. O rei ainda esperou dez minutus e cuma a caveira teimava em ficar muda, chamou o carrasco e mandou que ele cortasse a cabeça do desinfeliz. Caje mijando nas carças e cum a cabeça já curvada diante do cutelo, o home, chorando, gritou: “Caveirinha de Deus, pelo Amor de Nosso Sinhô, fala! Diz quem te matô! Diz e me sarva, caveira!” Mas a bicha continuava muda como a morte. E aí o cutelo subiu e o home se mijou de medo. Mas antes que o carrasco descesse aquilo no cangote do desinfeliz, para separar a cabeça dele do corpo, a caveira se sentô e com voz cavernosa falou: “Eu num te disse qui quem me matô foi a língua?” 

Bom, Orlandim, a história, contada de geração pra geração aqui onde um dia foi uma senzala, contém um ensinamento qui preto véio espera em Deus qui vossuncê aprenda. Diante da corte, seja ela de reis ou não, o mió mermo é manter a boca bem tramelada, num sabe? Houve um poeta que iscreveu o velso que vou lhe dizê aqui. É o seguinte:

“Dois óios, duas oreias, 

Só a boca não tem par.

Quer dizer qui é mais prudente,

Ver, ouvir, do qui falá”

Vê se aprende, né Orlandim? E sai daqui qui véio tem de ali atrás da moita…