"Socorro!!! Eu não aguento mais!"

“Socorro!!! Eu não aguento mais!”

Meu amigo chegou eufórico. Sentou-se e todo sorridente me perguntou se eu havia acompanhado a eleição do novo papa. Respondi-lhe que não. Ele me olhou curioso e indagou a razão de eu não ter-me interessado por um assunto de importância mundial. Eu ri e lhe disse que não era católico, logo, questões católicas não me interessavam. Felício ficou sério. Não gostou de minha resposta. Eu, no entanto, não lhe alimentei a decepção a fim de não incentivar um diálogo que me era de começo, antipático, preferindo mudar de assunto, mas ele não aceitou o convite. Eu queria falar sobre a violência em Goiânia, em Campo Grande, em Cuiabá e em Brasília, mas ele  teimou em permanecer no assunto Papa. Sua teimosia terminou por me incomodar. “Que diabo” pensei, ele não deixa a batina nem mesmo de licença?”

Espetáculo circense, indigno do Filho do Homem.

Espetáculo circense, indigno do Filho do Homem. Serviu apenas para alimentar a Vaidade dos cardeais e agitar a Mídia, que levou seu quinhão.

— Doutor  — voltou Felício à carga. — O senhor não pode desdenhar de um acontecimento de importância transcendental para a humanidade. E digo humanidade porque independe de qual religião a pessoa adote e pratique.

— Eu não sou religioso, Felício — disse eu, já com uma ponta de irritação. Mas ele me ignorou e continuou.

— Não é religioso, mas freqüenta centros espíritas. Que falta de religiosidade é essa?

— Sim, sim. Vou a reuniões espíritas – não a centros espíritas, como diz. Mas minha presença lá é puramente um olhar científico sobre o assunto. Quero ver o quanto a Doutrina Espírita avançou desde quando eu por ela me interessei. E acredite, ela tem avançado a passos largos para o Budismo e a Teosofia. Eu gosto de conhecer algo que se moderniza, não permanece empedrada em conceitos que há muito já caducaram, como acontece com sua religião. E gosto de ler os livros que dizem ser ditados por “espíritos desencarnados”. É claro que percebo bem quando se trata da fantasia de alguém que se encontra ou fascinado pelos ensinamentos espíritas e tenta, através de romances, fortalecer a fé dos seguidores – o que é errado -, ou angariar fundos através da exploração de crentes inocentes e fanáticos. Mas quero deixar claro que eu, enquanto espírito em evolução, já estou um patamar acima da mediocridade da maioria dos espíritas, principalmente daqueles dos terreiros. Não os menosprezo, ressalvo. Mas eles são a base primitiva do verdadeiro Espiritismo, assim como a alfabetização é a base da Universidade. E os terreiros de Umbanda e Candomblé são muito mais necessários à humanidade acostumada a esmolar a caridade sem oferecer absolutamente nada em troca, doutrinados que foram e ainda são pelo catolicismo de mendigos de Deus, que os rituais pomposos de sua religião. Perdoe-me se estou sendo tão contundente, mas é que Religião é assunto que não gosto de discutir. Cada qual tem a sua e cada qual segue o caminho que lhe parece mais apropriado. O meu caminho é o da a-religiosidade. De meu ponto de vista, toda religião é uma venda à verdadeira Visão Interior.

Espíritas em reunião de estudo e concentração.

Espíritas em reunião de estudo e concentração.

Felício me olhava com expressão de contrariedade. Ele não concordava em que eu não adotasse uma religião, preferentemente a católica. Via-a com defeitos, mas ainda assim a melhor entre todas as demais. Afinal, tinham-lhe ensinado, ela era a religião criada por Jesus Cristo. Verdade que o Rei dos Reis não instituíra suas regras, suas leis internas, seus preceitos diretamente. Mas deixara isto bem claro ao dizer a Pedro: “Tu és pedra e sobre esta pedra construirei minha igreja”.  Uma vez, quando ele me citara esta mentira, eu dera boas gargalhadas de deboche e quase brigamos seriamente. Desde então ele encara meu ceticismo no que toca ao catolicismo como algo a ser combatido. Eu, por minha vez, encaro seu apego à religião como uma reação de medo à vida. Daí que não concordamos neste ponto de modo algum.

Luxo que não combina com a vida simples do Rei dos Reis. E Ele jamais se deixaria apreender nas tramas dos homens.

Luxo que não combina com a vida simples do Rei dos Reis. E Ele jamais se deixaria apreender nas tramas dos homens.

— Doutor — disse ele, insistente. — O novo Papa vem de educação franciscana e isto é extremamente importante para o soerguimento da Religião de Deus. 

— E desde quando Deus  tem religião, meu caro? — Espicacei-o maliciosamente. Ele me ignorou, mas notei um endurecimento de seu corpo, sinal de que estava controlando a raiva com dificuldade.

— Os muçulmanos podem, perfeitamente afirmar – como afirmam – que a religião deles é a verdadeira Religião de Deus. E muitos, tresloucados pela pregação alucinante de seus Líderes, até provocam a morte de centenas de pessoas, mundo a fora, na crença imbecilizada de que ganharão 72 virgens caso venha a morrer num ato mal-sucedido de terrorismo. Só que estarão tão brochas que a cabeça do “bilau”, quando as virgens se despirem, estará descansando no chão, inerme, graças às terríveis tensões que seu dono passou durante o tempo em que esteve danado matando inocentes. E os Espíritas podem alegar a mesma coisa, também, assim como os evangélicos – uma facção católica rebelada e perdida “ad eternum”. Afinal, qual é a Religião de Deus? — Continuei provocando maldosamente.

— O catolicismo — respondeu Felício determinado.

— Para você, sim. Para mim, não.

— Por que não?

Paulo VI esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, em

Eles fingem que são santos. Os chefes de Estado fingem que acreditam nisto e os idiotas acreditam mesmo.

— Primeiro: é a Religião da Mentira Sacralizada pelos homens, não por Deus; segundo, é a Religião da Covardia, coisa que a Deus não agrada de modo algum; terceiro, é a Religião da mendicância estúpida, coisa a que Deus não dá ouvidos; quarto, é a Religião do caradurismo ecumênico, coisa que certamente não existe na Casa do Pai; quinto, é a Religião que incentiva práticas indecorosas devido mesmo à sua rígida castração daquilo que Deus deu de presente à Raça Humana – o sexo; sexto, é a religião da discriminação sexual, onde a mulher sempre é inferior ao seu par, coisa que Deus não instituiu, exceto nas cabeças pervertidas dos antigos judeus… Quer mais?

— O Catolicismo em que fui ordenado não é nada disso aí, doutor — protestou Felício, agastado.

— Não existem dois catolicismos, meu amigo. Um só já é suficiente para atrasar a Evolução Espiritual humana por um manvantara inteiro. E esse Papa não vai mudar nada de importante. O que ele terá de fazer, porque é assim que os Cardeais imporão, é tentar escamotear as safadezas dos padres mundo a fora servindo-se, para isto, de alguns paliativos na doação de esmolas aos mais necessitados, coisa que todos fizeram, antes dele.

Os teosofistas e ocultistas asseveram muitas coisas a seu respeito. Mas... Será verdade?

Os teosofistas e ocultistas asseveram muitas coisas a seu respeito. Mas… Será verdade?

— Doutor, permita-me lembrar-lhe que São Francisco de Assis, que na sua Teosofia é dito que foi uma encarnação de Mestre Kutumi e há, até, quem afirme que ele também foi encarnado na pessoa do Rei Mago Balthazar, que adorou Jesus na manjedoura…

— Coisa que jamais aconteceu, diga-se a bem da verdade — cortei eu, ferino.

— Esta é uma verdade católica que eu não questiono — disse ele, continuando seu raciocínio — e o que eu quero dizer é que São Francisco de Assis, que nasceu rico, abdicou de tudo em prol da prática da caridade e da pobreza. É conhecido mundialmente como o santo protetor das aves e dos animais…

— Aves e animais não precisam de santos cristãos para os proteger, pois assim já o são desde o princípio, Felício. Não foi Jesus quem disse: “Olhai as aves do campo. Elas não se preocupam com o dia de amanhã pois o Pai cuida para que nada lhes falte”

Felício pigarreou e passou a mão pelos cabelos. Eu sorri, malvado. Queria mesmo colocá-lo contra a parede.

— Está bem, está bem — concordou, meneando a cabeça afirmativamente. — Mas São Francisco de Assis se entregou a cuidar dos pobres e desvalidos, como fez Jesus em seu tempo.

— Errado. Quem diz isto são os Papas e padres de todas as Épocas. Mas Jesus não viveu para cuidar dos pobres e desvalidos entre os homens, meu amigo. Sua Missão foi outra e Ele a cumpriu. Você sabe bem disto.

— O senhor vai dizer que São Francisco de Assis estava errado? Que os pobres e desvalidos não são dignos da piedade caridosa dos bons?

Ela viveu pelo princípio que Francisco de Assis teria adotado.

Ela viveu pelo princípio que Francisco de Assis teria adotado.

— Não. Mas acredito firmemente que nada acontece porque nós forçamos o Karma, meu caro. Se há muitos desvalidos e miseráveis, sofrendo o pão que o diabo amassou, é porque eles foram os diabos de ontem, os mesmos que prepararam os pães que agora comem. Se Francisco de Assis, assim como Madre Teresa ajudou a muitos deles, é porque certamente assim o determinou o Pai. E se Este fez tal coisa, certamente foi porque os desvalidos ajudados fizeram por merecer a ajuda. Afinal, nem uma folha cai do galho de uma árvore que não seja pela Vontade do Pai. Além disto, o Filho do Homem disse taxativamente: “Tudo te será dado conforme teu merecimento”. Note bem: Tudo. Ele não disse: “O que pedires te será dado conforme teu merecimento”. Ele disse tudo. Isto engloba lições amargas, duras, de grandes sofrimentos e dores, se este é o prêmio que a pessoa merece. Então, quando Francisco de Assis encontrou miseráveis e pobres a quem ajudar, isto foi planejado pelo Pai. Com qual objetivo? Eu pensou que foi para dar um aviso aos homens de boa vontade: “não se esqueçam de que a fraternidade é condição sine qua non  para que possais ser considerados meus filhos”

Uns pedem por verdadeira necessidade, mas para estes nós pagamos ao Poder Público para lhes dê cuidados. Por que não cobramos isto das autoridades? O crime é nosso também.

Uns pedem por verdadeira necessidade, mas para estes nós pagamos ao Poder Público para que lhes dê cuidados. Por que não cobramos isto das autoridades? O crime é nosso também.

— Ótimo! — cortou-me Felício. — O senhor acaba de me confirmar que a caridade é uma obrigação espiritual e moral do ser humano.

— Sim, e daí?

— Ora, isto quer dizer que o senhor tem de reconhecer que o nosso Papa atual vem para relembrar este dever que todos temos diante de Deus. Ele, como franciscano que foi e é, não vai se entregar às enganações do Poder Venal que impera em Roma, assim como não vai acobertar os pecados dos padres que, fracos, sucumbiram à tentação da carne. 

— E vai ser crucificado ferozmente pelos mesmos cardeais que o elegeram…

— Errado! — Exclamou Felício, inflamado. — Quem escolhe o Papa não são os cadeais. Eles são guiados pelo Espírito Santo. É o Espírito Santo quem faz a indicação. Tanto assim que ninguém acertou nas apostas idiotas que fizeram sobre qual cardeal seria o escolhido. Em isolamento e em silêncio, eles buscaram a inspiração vinda do Espírito Santo e cada qual recebeu na mente o nome do indicado pela Terceira  Pessoa da Santíssima Trindade.

Olhei espantado para meu amigo. Então, explodi numa sonora gargalhada, o que o fez ficar desconcertado.

— Mas… Mas que diabo de risada é essa, agora? — Perguntou Felício, agastado.

A Sua Luz o iluminou para que a Humanidade soubesse que Ele era nosso Deus entre nós. Mas os judeus ignoraram isto.

A Sua Luz o iluminou para que a Humanidade soubesse que Ele era nosso Deus entre nós. Mas os judeus ignoraram isto. E ela não era uma pomba, mas a projeção de Seu Chakra Ajna.

— Ora, meu amigo, você cita uma entidade que é o maior nó górdio que os Papas já deram na tal religião católica. Eles mesmos se enrolam na hora de definir esta entidade fantasiosa. Para muitos seguidores cristãos, não católicos e até mesmo católicos, o Espírito Santo é um ser, uma pessoa com um corpo tal e qual Jesus teve. E mais: tem os mesmos poderes divinos que o Rei dos Reis. E é aí que a coisa engrossa, pois a doutrina católica afirma de pés juntos que Jesus foi filho único de Maria e Deus, e nasceu das palhas da manjedoura visto que sua mãe continuou virgenzinha, virgenzinha.

— Que blasfêmia, doutor! — Exclamou Felício, persignando-se.

— Não. Lógica. Dois deuses na Terra ao mesmo tempo teria dado confusão, meu amigo. Mesmo que ambos pregassem a mesma doutrina, seus seguidores não demorariam a estar engalfinhados furiosamente cada grupo pretendendo que seu Mestre seria o melhor dos dois. Para mim, quando os abocanhadores da História de Jesus criaram a tal religião cristã, que virou católica depois, ainda estavam profundamente impregnados do ranço racista dos judeus. E dentro deste ranço estava aquele vigente até hoje: mulher é bicho sem alma e inferior ao homem, o preferido de Deus (ainda não sei se eles, os judeus, têm Deus como hermafrodita ou homossexual). Uma vez que a Qaballah apresenta uma Trindade Superior composta por Keter – a Coroa, o Pai; Binah, o Filho, e Chokmah, como a Tríade Criadora, o catolicismo endoidou ao querer copiá-la de modo grotesco. Chokmah seria a parte feminina do triunvirato, mas admitir o feminino na deidade? Um absurdo para os judeus. Um absurdo que continuou no cristianismo católico capenga. Por isto, Chokmah virou o esquisito “Espírito Santo”. A trindade correta deveria ser PAI-MÃE-FILHO. Assim, sim, ela está em equilíbrio perfeito.

— Mas o Espírito Santo desceu sobre Jesus quando ele foi batizado por João Batista. Centenas de pessoas atestaram isto para a posteridade. O senhor não pode negar tal milagre.

— Posso e nego. Quem afirmou esta fantasia foi um doido dentre os que se deslumbravam com o Rei dos Reis e não entendiam o que Lhe acontecia. A Luz que se fez sobre o Mestre não tinha nenhuma forma de pomba, como se disseminou depois. Era uma luz especial que, com certeza, se fez presente para colocar para todos que Aquele que ali estava era um Ser Superior e, talvez, para advertir os cegos tiranos poderosos judeus que seria fatal mexer com Ele. Não entenderam isto. Ninguém entendeu isto. E deu no que deu. Os judeus estão até hoje pagando caro o que fizeram ao Rei dos Reis. Não é vingança, mas Karma, a Lei que não perdoa. Uma nação cometeu o crime através de seus dirigentes e nenhum cidadão ousou enfrentá-los em defesa do que parecia mais fraco. Então, a covardia foi de todos. A omissão torna o omisso tão culpado quanto o criminoso. Daí a nação judaica estar como está, o tempo todo no sufoco. Por mais crimes que cometa, como comete atualmente, não consegue paz. E assim será por todos os séculos em que se mantiver aferrada aos valores mortos do passado. Mas aquela luz não era um Espírito Santo humanizado, não. Era a Luz do Rei dos Reis em si mesma. Era Sua Luz advertindo que Ele era o Senhor absoluto desta Terra, do Sistema Solar e de toda a Via Láctea. E Aquela luz jamais desceria sobre os crânios de mentes conspurcadas, venais, criminosas e mentirosas que se reúnem a portas fechadas para escolher um líder que os tire do sufoco a que se lançaram por desídia, luxúria, arrogância, prepotência e ignorância. Ela vem do próprio Rei dos Reis e Este nunca, em tempo algum, abençoaria os pecadores de agora, tendo em vista que repudiou os pecadores do passado, dos quais, os de agora são seguidores inveterados. Você acha, mesmo, que Jesus se irmanaria à súcia de criminosos que ou abusaram ou acoitaram os abusadores de crianças? Que se entregaram sofregamente às bacanais nas caladas das noites? Que chafurdaram no charco da homossexualidade ativa e passiva? Ora, Felício, tenha paciência.

Meu amigo suspirou, passou as mãos pelos cabelos e permaneceu calado, olhando para os sapatos. Depois, devagar, pôs-se de pé e se despediu, dizendo:

— Diabos, doutor, o senhor jogou água fria na minha fervura. Voltei às minhas dúvidas de sempre. 

— Isto é bom. Jamais tenha certeza de nada, visto que todos vivemos na dimensão da Ilusão, da Vaidade. Você reencontrou seu equilíbrio. Parabéns!

Ele deu de ombros e se retirou sem me desejar uma boa-tarde. Não me importei. Eu, mesquinhamente, me sentia vingado. Dissera a ele o que desejara dizer aos falsos fariseus de agora.