A maior fantasia já consubstanciada pela fértil mente humana.

A maior fantasia já consubstanciada pela fértil mente humana.

Algumas pessoas me enviaram mensagens de “feliz natal”. Felício e Vera vieram desejar-nos, a mim e à minha família, “um feliz Natal e um próspero Ano Novo” de corpo presente. Eu os recebi friamente, a todos, os de corpo presente e os de corpo ausente. Felício notou minha frieza e, sentando-se a meu convite, foi direto em sua pergunta. “Desculpe-me, mas me pareceu notar certa indiferença de sua parte para com nossos sinceros votos de felicidade e bom augúrio para o ano em que estamos próximos de entrar. Poderia dizer se estou errado?”— Seria melhor que vocês se fossem sem ouvir minha resposta disse-lhe eu, com sinceridade.

Felício me olhou com o cenho franzido e claros sinais de inquietude.

— O senhor é muito querido por nós. Por isto, permita-nos insistir em nossa pergunta.

Eu estava de bem comigo mesmo, assistindo às séries do AXN, das quais gosto muito. E teria gostado mais se eles se tivessem ido tal como vieram, cheios da ilusão que a maior mentira de todos os tempos infunde nos inocentes e nos tolos. Mas se Felício não era de se dar por vencido no primeiro embate, Vera era pior que ele. Ela se sentara com claros sinais de que também estava muito interessada em saber minha resposta. Eu os olhei contrariado.

O tempo calmo pode repentinamente desabar uma procela e transformar a paz do Oceano em inferno para nós.

O tempo calmo pode repentinamente desabar uma procela e transformar a paz do Oceano em inferno para nós.

— Às vezes — disse —, é melhor a gente não mexer com o que está quieto. Vão embora, por favor. Não quero turvar a alegria de vocês com meu ceticismo que, hoje, está mais presente e atuante em mim do que nunca.

— E poderia dizer a razão disso… desse seu ceticismo? — Perguntou Vera, totalmente açulada pela sua incorrigível curiosidade.

— Vocês não gostarão de ouvir. Por isto, por favor, fiquemos assim: vocês me deram um abraço de amigos, que eu aceitei de coração, e pronunciaram a frase mais cretina já inventada pelo Mercado, que eu desprezo, também de coração. Então, que a segunda parte fique em silêncio e que vocês continuem a visitar outros amigos e conhecidos. Eu vou ficar vendo estas séries que são muito boas.

Felício se remexeu inquieto e, após pequeno silêncio, falou.

— Não temos mais amigos nesta rua. Só o senhor. E não estamos com pressa de ir, assim como o senhor não parece estar com sono. Então…

— Estou com sono, sim. Tomei um “Sintocalm” para isto, mas parece que ele caiu mal. Agora, uma crise de gases não me deixa deitar. Então, vim ver os filmes. Talvez fique assim até o sol raiar, pois estas crises de gases, quando atacam, não passam com facilidade e a melhor posição de meu tronco, em tais ocasiões, é na vertical. 

— Façamos assim: nós ficamos com o senhor para lhe fazer companhia e conversamos sobre sua reação negativa ao Natal. Está bem, assim?

— Se é o que querem… Mas advirto que podem ouvir o de que não vão gostar nem um pouco. Basta que insistam em mexer com o que está quieto.

— Não faz mal. Já o conhecemos o suficiente para compreender que o senhor não joga água fora da banheira, como se diz por aí.

Não respondi e procurei me fixar no filme. Mas Felício voltou ao assunto.

— Então, vai-nos dizer a razão de seu pessimismo sobre o Natal?

A Mentira engalanada...

A Mentira engalanada…

— Quer mesmo saber? — Perguntei sentindo uma ponta de irritação. Detesto quando alguém me interrompe no meio de algo que estou fazendo e de que estou gostando. E ver aquele episódio de MENTES CRIMINOSAS era meu interesse do momento. Mas, como se diz por aí, se está torto, que continue torto. Então…

— Bom, vocês deviam saber que esta história de Natal é conversa mole pra boi dormir. Primeiro, Natal é uma festa pagã em sua origem. Nunca fez parte da Mentira Secular criada pelos primeiros cristãos. Segundo, o Mito Cristão chamado “O Cristo”, na verdade um simples homem judeu batizado Yehoshua bar Yoseph, não nasceu no dia 25 de dezembro. Dizem alguns pesquisadores que este homem nasceu provavelmente no mês de janeiro, entre 6 e 10 deste mês, no ano -6 da Era Cristã. Diz Benítez que ele nasceu no dia 21 de agosto do ano -7 da Era Cristã, às 11 horas, 43 minutos e 9 segundos. Em qualquer das hipóteses, ele certamente não nasceu no dia 25 de dezembro. Esta data foi confiscada dos nórdicos pela Igreja Católica por alguma razão que ainda não me dediquei a pesquisar a fundo. Mas caiu como uma luva para o interesse do Mercado e, por isto, tal como acontece com as atuais Passeatas Gays, o Mercado resolveu incorporá-la nos festejos a que leva os povos a cultuar, como o Dia dos Pais, O Dia das Mães etc… porque ela, como estas, dá grandes lucros. Eu sou contra o Mercado, logo, sou contra tudo o que ele cultua e explora.

É disso que o Mercado gosta.

É disso que o Mercado gosta.

Felício olhou significativamente para Vera e pigarreou antes de falar.

— Então, o Natal não é um dia feliz para o senhor…?

— Nem feliz nem infeliz. Ele me é indiferente. Só isso. Na verdade, gostaria de não receber os votos batidos com que vocês me abraçaram, há pouco. Eles me incomodam. E pela razão que acabei de explicar.

— Doutor, o senhor não acredita mais no Cristo? — Perguntou Vera com certa hesitação.

— Agora, neste momento, estou com sérias dúvidas sobre Ele encarnado na Terra. Pra falar a verdade, estou tendente a aceitar os que defendem a hipótese de que o Jesus Filho de Deus e, por isto, também um Deus, não passa de uma grande mentira criada pelos primeiros cristãos.

— Mas… Mas o senhor tem escrito coisas lindas sobre o Cristo… — disse Vera, perturbada. 

— Sou Ocultista. Sou Teosofista. Continuo sendo Espírita e sempre fiz o que se chama de Projeção Astral. Isto e minha crônica tendência a inquirir tudo o que vejo, sinto ou ouço, me têm levado a flutuar de uma hipótese a outra, seja ela religiosa ou científica, buscando sempre, questionando sempre, querendo saber o máximo possível sempre. Mas a Luz Ódica, outro nome pelo qual o Ocultismo designa o Plano Astral, é enganosa e traiçoeira porque desde o mais sutil e fugaz pensamento que transite pela mente humana (ou não), até os mais firmes e determinados, tudo fica ali gravado para sempre. Então, se não se faz uma projeção guiada por alguém que conheça bem aquele Plano, corre-se o risco de se ver atrapalhado com ilusões e histórias que nunca ocorreram de verdade. Sobre o Cristo Deus há um bilhão de pensamentos flutuando na Luz Ódica; e na projeção astral é como entrar numa floresta viva, que muda de forma, cor e luminosidade a todo momento.

Os dois se entreolharam, inquietos.

— O senhor está dizendo que… que tem feito viagens astrais relativas à vida de Jesus?

— Não. Apenas disse que faço projeções astrais involuntárias. Nada além disto. E os que têm o cordão de prata muito frouxo, o que deve ser meu caso, mergulham com freqüência em ambientes de fantasia criados pelos milhões de mentes que de algum modo alimentaram ou alimentam ainda aqueles ambientes elementais artificiais. O assunto é complexo e eu não quero discuti-lo. Pelo menos, não agora.

— Há pouco tempo o senhor estava totalmente empolgado com a narração de Benítez sobre a vida de Jesus. Disse-nos que, agora, sentia que alguém finalmente escrevia algo sólido sobre o Filho de Deus…

— Não. Sobre o Homem de Nazaré — corrigi eu.

— O que dá no mesmo — teimou Vera, apoiada por um aceno vigoroso de cabeça de seu namorado.

— O senhor lê muito — continuou Felício. — Suas certezas vêm da análise criteriosa sobre o que lê. Eu me lembro que o senhor fez severas críticas a Benítez e nos disse que muita coisa que ele escreveu lhe tinham suscitado mais dúvidas que certezas. E não foi somente sobre a viagem imaginária ao passado. Até explicou muito bem a razão de sua descrença nesta fantasia de Benítez. O que está lendo, agora, que o faz mudar novamente de idéia?

Milhares de judeus foram crucificados pelos romanos e cetenas de Messias, também. Mas só a História deste atravessou os séculos por questões políticas.

Milhares de judeus foram crucificados pelos romanos e cetenas de Messias, também. Mas só a História deste atravessou os séculos por questões políticas.

— A deidade de Jesus sempre me incomodou — disse eu, olhando-os sério. — Eu me recusava e ainda me recuso fortemente a acreditar no que diz o Novo Testamento sobre Ele. Embora não com a profundidade dos que pesquisam documentos antigos aos quais jamais tive acesso, eu sempre tive muita dificuldade de aceitar que uma Entidade tão evoluída viesse à Terra para se deixar sacrificar do modo como Jesus se deixou matar – segundo dizem os evangelistas. Nunca engoli direito as explicações para aquele sacrifício idiota, de meu ponto de vista, claro. Talvez porque eu, no lugar dele, tivesse quebrado aquele pau, mas nunca iria ficar dependurado numa cruz fosse pelo que fosse ou por quem fosse. Até onde fui e pude compreender, Ele não veio tirar os pecados de ninguém, como afirma a Igreja Católica, mas sim, trazer uma nova mensagem aos homens. Ele também não foi aquela mansidão que a Igreja quer-nos enfiar pela goela abaixo. Eu sempre me perguntei por que um Deus poderoso como Ele é apresentado, não conseguiu mudar as cabeças incipientes nem mesmo de seus discípulos? E como aqueles discípulos, a maioria de iletrados e analfabetos, puderam transmitir, ainda que oralmente, aquela história fantasiosa às descendências posteriores? Os Evangelhos foram escritos no mínimo entre trinta e cinqüenta anos depois do sacrifício do Mestre ao qual seguiam. Sem a Imprensa, apenas narrando boca-a-boca aquela história fantástica, como é que se pode acreditar que o que ali está é a Verdade, nada mais que a Verdade?

— Mas o senhor escreve trechos onde Jesus é apresentado como um Ser Divino. Por que faz isto? — Perguntou Vera, ansiosa e confusa.

Inventaram tanto sobre soa vida que ele terminou se tornando um arquétipo Jungueano.

Inventaram tanto sobre sua vida que ele terminou se tornando um arquétipo Jungueano.

— Não sei. Sinceramente, não sei. Talvez em memória ao Jesus que está morrendo dentro de mim… Talvez porque de alguma forma eu sinta que muitos que me lêem necessitam ainda daquele anti-herói e super-herói, ao mesmo tempo. Talvez em homenagem ao primeiro homem que me apresentou Jesus como simples humano – meu pai. Talvez porque tenha feito muitas “viagens astrais” à dimensão ódica e dali trouxe em meu subconsciente lembranças que exaro na escrita, pois quando escrevo aqueles trechos, parece que não sou eu quem escreve, mas alguém através de mim, coisa que é comum em quem é movido pela força psíquica do inconsciente. Pode até ser que por tudo isto junto. O que posso dizer com certeza é que não me oponho quando, ao me sentar diante do computador com uma idéia para a elaboração de um texto, de repente começo a escrever sobre Ele impelido por uma força além de minha compreensão.

— Se Jesus está morrendo dentro do senhor — disse Felício com uma ponta de ansiedade — o que está surgindo em lugar d’Ele: um incréu? Um revoltado? Um derrotado? Um homem perdido entre o céu e a terra? o quê?

Se pensar com cuidado, vai descobrir coisa interessantes.

Quanto mais idoso, mais a gente se recolhe a repensar a vida e descobrir suas maravilhas.

— Um Pensador. Apenas um Pensador que se volta intensamente para o que aprende sem revolta, sem frustração, sem paixão. Apenas com uma intensa curiosidade.

Eles ficaram calados por um tempo que eu agradeci intimamente, embora o episódio que eu assistia quando eles chegaram já tivesse terminado e eu tivesse perdido o desenrolar da trama.

— Doutor — falou Vera com voz cuja entonação denotava determinação —, o senhor já pensou o que seus leitores vão sentir quando lerem o que certamente publicará de nosso encontro aqui, hoje?

— Não. E não me preocupo com isso.

— ???

— Não escrevo para ninguém. Nem para agradar, nem para desagradar. Desabafo de conformidade com o momento de meu estado emocional. Quem gostar, gostou. Quem não gostar, não gostou. Pronto. É só isso. Defino meu hábito de escrever no blog como aquele momento em que as pessoas se encontram em um ônibus e conversam enquanto viajam. Não há compromisso entre elas. Conversam. Cada qual expressa sua opinião e sua visão da realidade que vive e cada qual salta da condução sem, muitas vezes, nem mesmo saber o nome do companheiro casual.

— Não é não — disse Vera determinada. — Se fosse assim, o senhor não se daria ao trabalho de responder aos comentários que fazem às suas publicações.

A Culpa é uma emoção que evito a todo pano.

A Culpa é uma emoção que evito a todo pano.

— Eu acho que toda pessoa merece meu respeito, desde que não me desrespeite. Por isto, quando o comentário é lógico e objetivo, eu o considero. Este modo de agir sempre foi o meu. Além disto, Vera, estou na idade em que uma pessoa se volta intensamente para seu íntimo e busca apurar o que aprendeu de verdade, para verificar se sua vida lhe valeu a pena; se não passou a vida estupidamente. Periodicamente eu sempre fiz isto, pois sou um grande covarde diante da Culpa. Detesto a idéia de me sentir culpado, seja pelo que seja e, por isto, de sã consciência fiz o que pude para escapar a esta emoção mortificante. Nem sempre tive êxito, mas minhas culpas nunca foram esmagadoras e inarredáveis. Sentir-se culpado faz parte do viver humano, mas não faz parte da vida ser esmagado pela culpa. Isto, jamais fui.

— E o que o senhor aprendeu de verdade?  Havia desafio e irritação na sua voz. 

— Que ninguém sabe absolutamente nada a respeito de coisa nenhuma. E que ninguém é bom ou mau. Todo mundo apenas é, quero dizer, existe. E enquanto existe faz grandes coisas ou coisas mesquinhas. Vivo com alguém que destrói com palavras o que constrói com as mãos e o corpo. Vive sonhando em ir para a África ajudar os desvalidos. Eu penso comigo: “Coitado deles. Logo estarão sendo obrigados a ouvir as alegações mesquinhas do que esta pessoa fez de bom por eles. E vão descobrir mais uma faceta do lado negro do ser humano”. Mas é seu modo infeliz de ser. Tal qual ela conheço muita gente que também leva a vida destruindo imediatamente o que constrói de bom. Em minha família, tanto a paterna quanto a materna, vivi e convivi sobejamente com gente assim mesquinha. Por que certas pessoas são assim? Sei lá! Porque são gente, talvez apenas porque o sejam.

Os dois se entreolharam desconcertados.

— O senhor… o senhor está… está revoltado com alguém de sua família?

— Não, não. Estou magoado, apenas isto. Mas que me atire a primeira pedra aquele que não sofre momentos de mágoa com seus familiares. Ter uma família é bom, mas é preciso saber que nela não se vive um mar de rosas, sempre. Vez por outra, de repente e sem aviso, a gente recebe bofetadas imerecidas. E como ninguém oferece a outra face…

Fiz um muxoxo e deixei a frase sem terminar. Novamente se fez silêncio. Então, Vera voltou a falar, desta vez com voz insegura.

— O senhor… O senhor está descrente de Jesus?

— O judeu? Não. Ele viveu o que devia viver. Fez o que queria fazer ou o que tinha de fazer. Disse o que quis dizer e foi morto porque falou e fez coisas que desagradaram os poderosos de sua época. Não tenho porque estar descrente dele, assim como não tenho porque estar crente nele. Já morreu. Já se foi há dois mil anos. Seus assassinos também, pois ninguém permanece para semente. Fim. Sua História foi somente mais uma entre bilhões de outras.

— Eu falo do Cristo, Nosso Senhor — insistiu a moça.

Talvez, para cada uma destas maravilhas, haja realmente um Deus que a gerencie...

Talvez, para cada uma destas maravilhas, haja realmente um Deus que a gerencie...

— Talvez, Vera, haja verdadeiramente um Ser Esplendoroso no Cosmos. Em uma dimensão muito mais sutil que esta em que nos encontramos, talvez este Ser viva em companhia de seus semelhantes. Lá, talvez trabalhe segundo a Vontade do Criador, o Espaço Sem Fim e Perene. Como nós, aliás. Mas certamente que este Ser Esplendoroso não é nosso Salvador. Não no sentido mesquinho em que tal ser foi forjado há dois mil e tantos anos passados. O necessitar desesperadamente de um Salvador, meus amigos, apenas demonstra o quanto ainda não somos espiritualizados. Se tivéssemos consciência de nossa espiritualidade e nela acreditássemos de verdade, não estaríamos correndo atrás de um super-herói celeste, um Salvador. De quê nós precisamos ser salvos senão de nossa própria fraqueza e de nossa própria tendência para a mesquinharia e a maldade? E se há algum Salvador que nos possa ajudar ele está em nós, em cada um de nós, pois ele é cada um de nós.

Médiuns concentrados.

Médiuns concentrados.

— Doutor — falou Felício, pigarreando. — O senhor, se não estou enganado, foi salvo de uma dor angustiante em seu joelho e que médico nenhum conseguia curar por um Espírito. Uma dor que o acompanhou por 40 anos, segundo nos contou. Este mesmo Espírito curou-o de uma alergia que o estava levando à morte. O senhor chegou a ser desenganado pelo seu médico alergista que lhe disse, segundo o senhor mesmo conta, estas palavras: “Vá embora daqui. Procure viver onde não haja capim. Você está sofrendo da “febre do feno”, para a qual não há remédio. Talvez à beira-mar o senhor possa se salvar. A Medicina não tem mais nada que lhe possa oferecer para tratamento de sua alergia”. O mesmo espírito retirou-lhe um câncer de próstata, do qual o senhor não tinha conhecimento. Ele ainda o livrou de outros males e o senhor nos deu o endereço do Centro Espírita Bezerra de Menezes onde ocorreram estas maravilhas. O senhor não acha que isto tenha sido obra de alguém que vive além desta dimensão densa e que, com sua atuação, comprova a existência do Cristo Jesus? Lá, como em qualquer centro espírita cristão, adora-se o Salvador. E se os Espíritos não desmentem a história do Salvador entre nós, não é este um motivo muito forte para que o senhor se mantenha em sua fé?

— Não sou homem de fé, Felício. Não a Fé segundo seu entendimento. Sou homem de perquirição. Sim, sim. Tudo isso que relatou foi verdade. Mas não quer dizer que tais coisas ratifiquem a ocorrência de um Cristo Salvador entre os homens. Quer dizer tão-só que a Vida não cessa quando o corpo pára de viver. Algo a que se aceitou tacitamente chamar de Espírito segue adiante em planos sutis que a Ciência pragmática humana já não mais nega existir. Isto é coerente. Isto apenas demonstra que a Evolução não tem fim. Tudo Evolui rumo a algo que aparentemente é desconhecido, mas que eu creio seja a Consciência Suprema que está sempre construindo para aprender. Mal e Bem só têm existência entre nós, em nosso mundo artificial humano. Tais conceitos não definem nada além do plano em que vivemos. Mesmo aqui tais conceitos são variáveis e flutuam e se modificam na medida em que o homem mais e mais aprende sobre si mesmo e sobre os fenômenos que o rodeiam. Verdade e mentira são outros conceitos que só têm existência no mundo humano e assim como estes, centenas de outros pares de antíteses. Todos só servem para que nós ajustemos nossas vidas de modo a conseguir conviver e compartilhar nossas experiências. Enquanto nos sentirmos indivíduos não estaremos evoluídos.

Os dois se olharam consternados. Então, olhando para o relógio, Vera desculpou-se pelo adiantado da hora e instou com Felício para ir embora. Despedimos-nos com um abraço e eu fiquei entregue a outro filme na TV…

E.T. 25 de dezembro era quando se realizava uma festa pagã, chamada de Natalis Solis Invicti (“nascimento do sol invencível”), uma homenagem ao deus persa Mitra, popular em Roma.